15/09/2022
SBPC alerta para ameaças graves à pós-graduação
brasileira
“A SBPC se manifesta veementemente contra a judicialização e
interferência injustificada nos processos de avaliação da pós-graduação, fruto
do trabalho de décadas e gerações de pesquisadores e estudantes, que visaram
tão somente ao desenvolvimento do país e à garantia de sua soberania, bem como
contra a indicação precipitada dos novos coordenadores de área”
A SBPC manifesta sua profunda
preocupação ante os últimos acontecimentos na CAPES, que colocam em risco a
pós-graduação brasileira, que até pouco tempo atrás tinha qualidade
internacional e sempre serviu de modelo para a educação em nosso País. São duas
as ameaças: (1) a Direção da CAPES assinou com o Ministério Público, sem nenhum
debate com a comunidade acadêmica, um acordo que submete toda a avaliação a
regras impostas por quem não a entende, assim ameaçando o pilar da
pós-graduação brasileira, que é a avaliação realizada por pares, e que jamais
teve interferência externa, como passa a haver a partir de agora; e (2) a
substituição apressada dos coordenadores de área, num processo de consulta
precipitado, que compromete a qualidade dos futuros responsáveis pela
avaliação, e, portanto, o futuro da Pós-Graduação e pesquisa no Brasil. A SBPC
também protesta contra a falta de diálogo da atual direção da CAPES com a
comunidade acadêmica e sua displicência em relação à brutal queda na formação
de mestres e doutores durante o atual governo federal.
Até 2018, é inegável a rápida
evolução da pós-graduação brasileira tanto em número de programas como em
qualidade. Em relação à formação de mestres, o Brasil já cumpria, desde 2017, a
meta (de formar 80 mil mestres por ano) para 2024, estabelecida pelo Plano
Nacional de Educação, e, em 2019, quase atingia a meta de formação de doutores
(de 25 mil doutores por ano) fixada para 2024, chegando a titular 24,4 mil
doutores. Somente esses resultados do sistema de pós-graduação brasileiro já
bastariam para mostrar a qualquer gestor público ou órgão de controle que os
recursos públicos investidos na pós- graduação sempre tiveram retorno além do
esperado, e que, se falhas houvesse no sistema, o arcabouço regulatório
institucional da CAPES e das instituições de ensino superior, bem como o
emprego do princípio de autotutela de ambos, efetivariam a melhoria contínua do
sistema, como foi o caso até 2019.
O aprimoramento contínuo do sistema
de avaliação, alinhado com a racionalidade dos custos da avaliação e
investimentos na pós-graduação, fez, ao longo dos anos, o sistema evoluir com a
introdução de ferramentas e etapas tais como o Qualis, a realização de
seminários de avaliação de meio termo, seminários com banca internacional,
modificação no período de avaliação, passando de trienal a quadrienal. Outras
mudanças essenciais na ficha de avaliação, priorizando os resultados sobre as
formalidades, a criação da Plataforma Sucupira, inclusão de indicadores de
impacto social, aumento da transparência, introdução do aplicativo especial
para proposta de cursos novos, criação das visitas pedagógicas para programas
ou propostas com problemas, substituição de uma cultura punitiva por uma
resolutiva, bem como de uma cultura competitiva por uma que valoriza a
cooperação, especialmente entre cursos com nota superior e com nota inferior,
entre muitas outras, foram adotadas.
Nenhum desses elementos foi introduzido
por medida judicial. Todos foram resultados de busca contínua de aprimoramento
e racionalidade do sistema, graças essencialmente à autonomia universitária e à
pesquisa.
Eis que, em 2020, o Ministério
Público (MP) questiona a avaliação, com o objetivo de “impedir distorções na
distribuição de recursos públicos e propiciar segurança jurídica e
previsibilidade aos administrados, buscando sempre a evolução contínua da
ciência”.
Assim paralisada a avaliação da
pós-graduação, a Direção da CAPES foi incapaz de mostrar ao MP a forma como o
sistema funciona e é aperfeiçoado ano a ano. Também não foi capaz de assinalar
a eficácia do sistema do cumprimento dos seus objetivos, de apontar os
prejuízos causados pela paralisação, de apresentar a história da pós-graduação
brasileira e da CAPES, que não pertence a uma gestão ou a um governo. Ao
contrário, é produto do trabalho árduo e dedicado de milhares de pesquisadores,
estudantes e servidores, ao longo de décadas. Essa aparente letargia da CAPES
gerou a maior crise que a instituição já conheceu. Mais de cem membros de
comitês de assessoramentos, cujos nomes foram escolhidos com ampla participação
da comunidade científica, renunciaram a seus mandatos, inconformados com a
inércia e submissão da Direção do órgão à judicialização da avaliação da
pós-graduação e de seus processos.
Naquele momento, a SBPC, além de
participar, com voz, das audiências públicas com o MP, organizou uma Jornada em
Defesa da Pós-graduação e agiu ativamente para minimizar os prejuízos da demissão
coletiva de membros de comitês de assessoramento. Mais de uma vez, a SBPC
empenhou-se em promover o diálogo da Direção da CAPES com os coordenadores de
área e membros do Conselho Técnico-Científico (CTC).
As decisões recentes da CAPES
demonstram que os temores expressos pela comunidade acadêmica, ao longo do
segundo semestre de 2020, não eram infundados. A Direção da CAPES, sem
consultar o seu Conselho Técnico-Científico, sem consultar os fóruns de
coordenadores de pós-graduação, sem consultar a comunidade científica assina,
em 31/08/2022, um Termo de Autocomposição, no qual aceita que procuradores do
MP regulem os trâmites e processos da avaliação, numa completa e absurda
inversão de papéis. Isso foi feito a título de “impedir distorções na distribuição
de recursos públicos”, apesar de, na utilização dos recursos públicos, as metas
do PNE terem sido superadas vários anos antes do previsto. Estas medidas
ocorreram a pretexto de “propiciar segurança jurídica” contra possíveis ações
de autoria talvez do próprio MP e de “propiciar previsibilidade aos
administrados”, previsibilidade que o sistema já garantia com as avaliações de
meio termo.
A pretexto de corrigir estas graves
distorções, faz-se uma aberração, com clara deturpação dos papéis
institucionais do MP e da CAPES. Admite-se até mesmo que os programas que
tenham tido sua nota rebaixada na Avaliação que agora se encerra, possam optar
por restabelecer a nota da Avaliação anterior, sem uma análise de mérito de
tais pedidos. A submissão da Presidência da CAPES aos procuradores federais,
neste ponto e em outros, torna a avaliação inútil, a pós-graduação enfraquecida
e retira da instituição sua razão de ser. E ainda por cima a Direção da CAPES
admite que o Qualis, fundamento para a avaliação da qualidade de boa parte da
publicação dos programas de pós-graduação, seja alvo de negociação posterior,
implicando mais uma rendição da agência à ingerência externa e não
especializada.
Completando a desorganização da
instituição, a Direção da CAPES atropela o processo de composição dos comitês
de assessoramento para avaliação, impondo um cronograma açodado e permitindo
candidaturas sem a legitimidade assegurada pela comunidade, bem como
desvinculando os mandatos dos futuros coordenadores de área dos períodos avaliativos
usuais. Além disso, faz se necessária a publicação de todas as indicações
feitas pelos Programas de Pós-graduação e pelas Sociedades e Associações
Científicas dos nomes para os cargos de Representantes de Áreas com os
respectivos índices numéricos nominais.
Nem a Direção da CAPES nem o MP se
preocupam com o fato de que a formação de mestres e doutores caiu bruscamente
nos anos de 2020 e 2021, em cerca de 15% ou mais. Isso sim deveria suscitar ao
MP a preocupação com o mau uso dos investimentos públicos ou com a ausência de
investimentos públicos, ferindo as disposições constitucionais que regem a
obrigação do Governo Federal de assegurar meios para o cumprimento de metas do
PNE.
A SBPC se manifesta veementemente
contra a judicialização e interferência injustificada nos processos de
avaliação da pós-graduação, fruto do trabalho de décadas e gerações de
pesquisadores e estudantes, que visaram tão somente ao desenvolvimento do país
e à garantia de sua soberania, bem como contra a indicação precipitada dos novos
coordenadores de área.
Finalmente, saudamos a decisão dos
coordenadores de área que têm se unido protestando contra medidas que ferem a
razão de ser da CAPES, e colocam em questão sua própria missão, fazendo o
Brasil retroceder mais de 70 anos, até o período anterior à fundação, por
Anísio Teixeira, dessa agência que é, uma das joias da coroa da Educação
Brasileira – tanto assim que serve, há quinze anos, com sua experiência
acumulada na formação de professores de ensino superior, para melhorar a qualidade
na educação básica.
São Paulo, 14 de setembro de 2022.
Veja o texto em pdf clicando aqui
Diretoria Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência – SBPC
Subscrito pela Diretoria
MutaGen-Brasil (Gestão 2022-2024)
< Anterior
Próxima >
Voltar