Moção Pública De Repúdio À Aprovação da PL Do Veneno

Confira na integra a Moção Pública De Repúdio À Aprovação Pelo Senado Federal Do Projeto De Lei (PL) 1459/22 ("PL Do Veneno")


Diretoria MutaGen-Brasil



Prezado(a) Associado(a),


No último dia 28/11/2023, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) 1459/22, amplamente conhecido como "PL do Veneno". Lamentavelmente, percebemos que o referido projeto representa um retrocesso em relação à legislação atual, colocando em situação de extrema vulnerabilidade os trabalhadores agrícolas e todos os cidadãos que consomem água e alimentos. Além disso, a aprovação do PL afeta adversamente a fauna e flora de ecossistemas aquáticos e terrestres em todo o território nacional.

A Lei dos Agrotóxicos, originada após profunda discussão técnico-científica e intensas manifestações de especialistas, surgiu em um momento histórico marcado pela redemocratização brasileira. Ainda hoje a Lei dos Agrotóxicos é considerada um marco histórico, sendo reconhecida internacionalmente como uma legislação moderna e responsável, tanto no que diz respeito à saúde humana quanto à preservação ambiental, quando comparada às leis de outros países. Destacamos que, dentre as alterações propostas no PL 1459/22 que representam riscos para a saúde humana e o meio ambiente, merecem especial atenção os seguintes pontos:

1. Flexibilização dos Casos de Proibição dos Registros:

A Lei dos Agrotóxicos vigente (Nº 7.802/1989) proíbe o registro de agrotóxicos com propriedades teratogênicas, carcinogênicas e mutagênicas, bem como aqueles que causam distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor e ao meio ambiente. O PL Nº 1459/22, conhecido como "PL do Veneno", flexibiliza essas proibições, permitindo o registro contanto que o risco seja considerado aceitável. No entanto, o texto não define claramente o que constitui "risco aceitável", deixando lacunas que podem comprometer a saúde humana e o meio ambiente. Ressaltamos a importância de incorporar os princípios ambientais da precaução, prevenção e vedação de retrocessos na legislação ambiental para evitar impactos socioambientais e retrocessos nas conquistas já alcançadas na proteção contra os efeitos dos agrotóxicos.

2. Perda de Autonomia dos Estados para Estabelecer Critérios Rígidos:

O PL Nº 1459/22 altera a legislação atual, restringindo a autonomia dos Estados e do Distrito Federal ao estabelecer que suas leis sobre agrotóxicos devem ser apenas suplementares à legislação federal. Isso compromete a capacidade dos Estados de legislar de forma mais restritiva em contextos locais específicos, ferindo o direito constitucional de editar leis mais rígidas (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Capítulo II, Art. 24). Essa mudança contradiz também a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite legislação mais restritiva, desde que não contradiga normas gerais federais.

3. Cerceamento do Poder de Decisão dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente:

A legislação atual estabelece uma abordagem conjunta dos Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente na avaliação, registro e reavaliação de agrotóxicos, garantindo autonomia e paridade entre eles. O PL Nº 1459/22 concentra o poder de decisão no Ministério da Agricultura, excluindo atribuições específicas dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. Isso compromete a imparcialidade na avaliação de perigo e risco dos agrotóxicos, prejudicando a proteção da saúde humana e ambiental. Defendemos o fortalecimento da ANVISA e do IBAMA, em vez de excluí-los do processo de registro, uma vez que perdem o poder de veto, tornando-se apenas órgãos consultivos do MAPA.

4. Substituição do Termo "Agrotóxicos":

A toxicidade é uma característica intrínseca de princípios ativos e formulações utilizadas para o combate de pragas. Assim, em qualquer processo de avaliação de risco deve-se assumir como premissa que os agrotóxicos são substâncias que podem causar efeitos deletérios à saúde humana e do meio ambiente. Esses efeitos variam de acordo com o princípio ativo, dose/concentração, tempo e forma de exposição, além das características individuais da pessoa/compartimento ambiental exposto. Uma avaliação rigorosa é fundamental para determinar as doses/concentrações seguras de exposição para seres humanos, fauna e flora. A proposta de substituir o termo "agrotóxicos" por uma nomenclatura que minimiza a percepção da toxicidade dessas substâncias é preocupante. A toxicidade é inerente aos princípios ativos e formulações utilizados em pesticidas, e sua avaliação rigorosa é crucial para determinar doses/concentrações seguras de exposição. A mudança de nomenclatura pode criar confusão e a necessidade de alterações em regulamentações que atualmente empregam o termo "agrotóxicos". Ressaltamos a importância de manter a terminologia estabelecida na Constituição e em outras regulamentações brasileiras, alinhando-se com a Lei de Agrotóxicos em vigor.

Uma das principais críticas à atual conjuntura referente aos agrotóxicos está relacionada à demora no processo de registro. No entanto, essa questão não pode ser resolvida eliminando os órgãos responsáveis por garantir a proteção da saúde humana (ANVISA) e ambiental (IBAMA). Pelo contrário, propomos fortalecer o desenvolvimento científico na área de toxicologia, aprimorar cursos de extensão/pós-graduação e aumentar a contratação de profissionais qualificados. Nenhuma das críticas ao sistema atual pode ser endereçada por meio dessa nova lei.

Portanto, argumentamos que o Projeto de Lei N° 1459/22 não oferece contribuições significativas para aprimorar a legislação existente. Ao contrário, representa uma desarticulação dos instrumentos legais que asseguram o uso minimamente seguro de agrotóxicos no Brasil, um dos maiores consumidores globais dessas substâncias. A aprovação desse projeto resultaria em uma legislação frágil, ineficaz e insuficiente, com consequências negativas para a saúde humana e ambiental a curto, médio e longo prazo, comprometendo as gerações futuras.

Entre os efeitos negativos previstos está a ausência de controle sobre os resíduos de produtos agrícolas, tanto para consumo interno quanto para exportação. Esse cenário pode gerar danos econômicos significativos, dado que muitos países possuem normas rigorosas de controle desses resíduos. Portanto, expressamos nossa veemente oposição à aprovação do Substitutivo ao Projeto de Lei Nº 1459/22 e seus apensados. Defendemos a redução do uso de agrotóxicos e, quando necessário, que seja feito de maneira segura, respaldada nas melhores práticas científicas, visando sempre a proteção da saúde e do meio ambiente, em prol das gerações futuras.

Unimos nossas vozes contra a desestruturação do sistema tripartite de regulamentação dos agrotóxicos no Brasil. Apelamos ao presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, para que vete integralmente este projeto de lei prejudicial ao Brasil.

Associação Brasileira de Mutagênese e Genômica Ambiental - MutaGen-Brasil.

Referências Consultadas

- Almeida, MD et al. (2017). A flexibilização da legislação brasileira de agrotóxicos e os riscos à saúde humana: análise do Projeto de Lei nº 3.200/2015. Cadernos de Saúde Pública, 33(7), e00181016. Epub July 27, 2017.https://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00181016

- BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, 292 p.